Nem te [Conto]

Que eu tenho um coração grande não é segredo, sempre gostei de “casa cheia”.

Como eu sempre digo:

– Não há nada que falte numa mulher
que eu não encontre em um homem,
ou outra mulher… ou ambos!

Mas olha essa filha da puta,
diaba suja, bem aqui, na minha frente, nua,
fazendo caras e bocas, perfeitamente indecente
e nesse exato momento inacreditavelmente… minha.

Como pode? – Assim me quebra!
Como consegue ser tão gostosa, assim, sozinha?

Diz ela que não me quer na vida dela, que não me ama.

Deus me dibre, namorar? Não, desencana.

Mas se enrosca em meus braços, me beija,
me chama na madrugada e se torce todinha…
gemendo, em cima da minha cama.

Não que ela venha muito aqui. Na verdade,
é mais convite pra ir do que pra vir, ela é mais ela.

Diz que comprou o sofazinho,
pra foder comigo de ladinho
e que não pretende desperdiçar isso.

– Tá com fome, amô? – toda desinibida,
descalça e só de calcinha, no escuro da cozinha.
– Nada, acabei de comer bem. – engrossei até a voz.

Nem vinte minutos depois vem ela,
na mão, dois pratos de macarrão ao sugo,
um maço de cigarro, garfos, o isqueiro
e a erva, num saquinho, presos entre os dedos.

Na outra, um copo de café e outro de suco.
Me da um dos pratos e apóia o resto na mesinha de centro. Toda se jogando pra cima de mim, enquanto se senta ao meu lado. – assim eu não aguento.

– Janta bem, neném! Depois disso aqui, nada de movimento brusco.
– Vai ser fumacinha, tu-dum e cafuné, até vc terminar o café. Aí você pode fazer carinho até eu dormir… – aqui ela faz uma pausa pra ficar vermelha – …no útero. – fala baixinho.

Depois do vapo encaixado, de frente e verso,
embrasado no beat do baile da rua de baixo
ela me olha de lado…
como se quisesse me comunicar algo.
Mas quando pergunto – O que foi?

– Nada amô! Tô só te olhando. — golpista, ela sorri. O sorriso mais sensual que eu já vi por esses lados do bairro.

A tesão que essa mulher desperta em mim,
é de um tipo raro. Poucas vezes sentidos antes.
Do tipo em que, quase sempre, eu acabo casado!
Mas não dessa vez! – Creindeuspai… Támarrádo!
Aliança no dedo a essas horas, não rola! – já fui vacinado!

Quando faço uma mera menção de ir embora,
ela faz birra com tanta força, que quase chora.
E eu, finjo que acredito… – maldita – e fico.
Não que eu tenha nada contra, muito pelo contrário.
E também tá frio e chovendo lá fora. – a desculpa!
Não sei o que me deu, de querer tanto ir embora
justo agora, não vou arrumar nada na rua a essa hora.

Talvez eu só goste de perrecar e ver o desenrolar da treta, ou esse lado vulnerável e fofo, que bate o pezinho, fazendo biquinho, daquele mulherão todo, que nem cinco minutos atrás, tava quase me arrastando no chão com a buceta.

– Não vou deixar você ir. Tá choveeeendo!
Senta aqui, vou botar o filme da Barbie pra gente assistir.
– Morena, esse eu ainda não vi. – risos –
– Então uma série bem chata,
só pra gente dormir. – mais risos –

Ela escolhe… escolhe… escolhe… e no fim,
põe qualquer coisa mesmo, sem áudio,
enquanto eu bolo mais um baseado.

Quem vê a gente assim junto, deitado
fala, na certa, que ela é a minha ‘De Fé’…
Aninhada no meu colo, debaixo do edredom,
dando uns trago e pedindo cafuné.
É outra mulher!

Não que o fogo tenha apagado, jamais.
É só o jeito safado dando lugar ao afago,
dois seres humanos, entrelaçados,
doando ao próximo, o amor que ele necessita
naquele momento. Apenas. É mágico!

O beijo lento de língua,
era o remédio que ela precisava
pra tratar o surto da semana passada.
Eu?! …da vida. – imagina.

Acho que nunca dormi tão gostoso, num sofá antes.

Acorda sorrindo a bandida.
Já vai pra beirada da pia,
fazendo a marmita, com tudo fresquinho
pra levar pra firma.
Trabalhadora essa menina.

Ela saiu do banho antes e disse que tinha surpresa.
Eu saio, ainda molhado e ela em cima dum salto já toda vestida.

– Ainda falta maquiá amô! Mas aí, como eu tô?
Linda! – não dá pra negar.

Ela só sorri, enquanto me olha pelo espelho
e passa o batom mate, que ela chama de discreto.
Discreto o que, numa boca dessa?! – pensei…

Depois de tantos apertos,
nós e prendedores de cabelo,
estamos prontos pra mais um dia.
Ela trabalha seis por um.
Já eu – é sem horário , mas também,
sem folga, mó brisa.

E então chegamos na parte do beijo no fim,
aqueles longos e lentos, a cara da despedida,
que vêm normalmente, com gosto de ‘só mais cinco minutos, pode ser?’, as respiradas profundas por onde a tradição oriental diz escapar a felicidade, se vai… afastando como em câmera lenta, com os longos cabelos encaracolados em direção ao Uber que aguarda, na rua, do outro lado.

Mas não antes de…
– Ah é… Eu que fiz!
– Não deve nem tá bom, mas,
ontem parece que eu te dei tudo,
menos a sobremesa. – enquanto sorri.
– Tó pra você, um pudim!

Eu sem reação, aceito,
dou um selinho em agradecimento,
seguido de um leve aceno.

É olho no olho até o último momento.

Ela mandando beijo já dentro do carro,
é uma imagem esvaindo,
como reflexo translúcido no vidro.
Indo…
Lindo…

*… abrindo o potinho! – hummm

Criticas? Desce o verbo...

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