Médecin

Estou, como sempre, absorto do tempo,
alheio ao vento que me toca os cabelos, agora compridos.

“Só mais uns tragos e eu vou embora.” – Penso!

Acendo! Aceno…
Tem alguém dando um salve do lado de lá da ponte.
Não vejo, só aceno de volta e esqueço.
Parece até que estou sobrando.
Não pertenço. Mó tenso…

As pessoas fingem não perceber que,
na verdade, eu não estou ali.
“Deve tá bem louco” Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! – rio junto, assim que percebo.
“Mas eu nem bebo.” – Respondo. Seco como o vinho deles, nesse frio.

Agora vejo bem,
quando a luz do poste, finalmente, ilumina a face de quem vem.
Vem sorrindo, feliz por algum motivo.
Dançando mesmo que não haja música ou ritmo. Audível.
Impressionante, porém indigno. Até certo ponto, incrível!
Eu devia ter filmado isso.” – lá vem – “…mas, na real, eu nem estava aqui.”

– “E como está o seu rim?” – ela pergunta com preocupação.
– “Está no lugar,” – respondo.
– “Mas está doendo? Não está? E os exames?” – ela insiste, com uma enxurrada de perguntas que eu preferiria não responder, nem valendo um milhão.
– “Então…” – faço uma pausa dramática, respiro – “os resultados estão em casa.” – meto um sorrisinho safado e…
– “Quer ir lá conferir, doutora?”

Um silêncio, avassalador, se instalou depois dessa pergunta.
Como se eles não soubessem.
Como se eles não tivessem visto,
ela mandando mensagem, a tarde toda,
querendo me ver… querendo me…ter.
Claro e sucinto. Direto ao foco, objetivo.
Afinal, o que importa ‘como me sinto’?
Porém, se me perguntam isso: – “Com frio! Eu acho…” – sorrio.

Ela é medica MESMO! E por sinal, a única que percebe quando eu abstraio.
Chama minha atenção, rebola, se joga, conta piada, pula corda…
mas ali, na minha frente.

Ela quer estar nas minhas memórias. Isso é certo! Ela se esforça.
Ganhou uns beijos de brinde, e claro, o que ela queria.
Não importando o tamanho da cena que ela se meta a fazer,
conseguir atenção de um disléxico, com Síndrome de Fantasma da Ópera,
deve deixar essa doida com tesão. – “Sei não…”

Ela veio de carro, mas estacionou lá do outro lado,
pra não pagar estacionamento “mais caro”.
Sabe que aqui não tem garagem e que ia gastar menos de aplicativo.
Enfim, não retruco, nem contrario. – “a Dra. não recomenda…”

Me explica seus planos com palavras vazias,
enquanto enxágua a louça da minha pia.
“Não precisa…” – sou interrompido.
“Mas eu quero lavar, me deixa.” – quase grita.
“Lá vem você, me tirando o momento de ter-a-pia.”
Ela entende e ri. Claro, continua lavando.
Nada aconteceu, foi só uma piada – ‘pra ela.’

Se foi Feito, Desfeito ou Perfeito. Não sei.
Sei que eu não estava lá em noventa por cento do encontro. – ‘Lamento!’
E quando o dia amanhece, ela tem plantão no centro.
Não dá pra ficar aqui, perdendo tempo.
Pelo menos é o que eu penso.

Ela, enrola… os cabelos lisos, molhados, na minha toalha,
enquanto procura pelos cantos o que, talvez, vá cobrir sua nudez.
– “Tudo bem se eu chegar atrasada. Fica frio, cara.” – adoro essa parte.
Desfila pra lá e pra cá. Insensata. Danada. Calculista, veio preparada.
Achou, a tal calcinha, – ‘que ela fez questão de frisar,’ – rendada.
Daquelas, sem costura, confortável, sexy e cara.
Semitransparente e de marca.

Ao fim, acompanho ela até o carro, do outro lado.
Beijos acompanham promessas,
ainda mais vazias, de um suposto reencontro.
Ela pro plantão dela. Eu pro meu ponto.

Com vergonha zero, estampada na cara fria.
Me pego pensando de novo:
– “Que raios eu tô fazendo da minha vida?!”

Criticas? Desce o verbo...

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